quarta-feira, março 18, 2009

Alô, liberdade

O que é impressionante em ouvir Chico Buarque é que quanto mais você escuta, mais você entende. E quanto mais você entende, mais você se pergunta como é que pode.

Porque eu conheço um monte de música subversiva do Chico, umas mais explícitas, outras menos. Mas eu cresci escutando Saltimbancos, e não sabia que estava sendo catequisada. Mas eu estava.

Cantando animada no metrô (dublando, vai, menos mico), tropecei nuns pedaços de letras e comecei a me dar conta do peso da crítica social que esse moço escondeu nas letras supostamente ingênuas. Tipo Hollywood é um sonho de cenário, vi um pau-de-arara milionário; ou vi um índio cheio de saúde; e melhor nessa música, camelôs, malucos, engraxates, aproveitem enquanto o sonho é grátis.

Vi o Chico falando umas verdades históricas que a gente estuda em sala de aula (não sou eu quem repete esta história, é a História que adora uma repetição), depois uma alusão super forte a um recado para o amigo preso (faz-se certeza minha canção, réstia de luz onde dorme o meu irmão).

Me dei conta de que Todos Juntos é um hino subversivo: esperteza, paciência, lealdade, teimosia, e mais dia menos dia, a lei da selva vai mudar. Todos juntos somos fortes, somos flecha e somos arco, todos nós no mesmo barco, não há nada pra temer. Ao meu lado há um amigo que é preciso proteger. Como é que pode? Só eu - e a censura - não via(mos) isso.

Mas o mais impressionante foi encontrar um pedaço de uma música de guerra francesa no meio de Alô, liberdade (basta o título!). Faz um favor pra mim, só pra ficar de cara que nem eu. Escuta só um trechinho de Ça ira, basta o comecinho. Trata-se da música que os sans-culottes transformaram em hino da Revolução Francesa, com um meigo refrão que repete tudo vai ficar bem, os aristocratas estarão nas lanternas (era um hábito super saudável dos revolucionários ostentar as cabeças dos aristocratas decapitados em varas, no lugar das lanternas). Depois escuta Alô, liberdade, com especial atenção no momento em que a música chega aos 2:22.

E depois me conta se esse cara é um gênio ou o que.

9 comentários:

Chéri disse...

Eu descobri isso não tem muito tempo, lendo um livro de crônicas do Machado de Assis, onde ele cita um trecho da letra: "Ah, ça ira, ça ira, ça ira, Les aristocrates à la lanterne". Na hora fiz a conexão e coloquei o disco do Chico. Confesso que fiquei emocionado. Logo mostrei pra Charlotte, que também ficou impressionada!

Beijocas.

Karla Gê disse...

oi, Carol
Leio o seu blog com frequência, só que nunca comento, mas diante do que vc postou sobre o Mestre Chico tive que comentar: ele é mesmo um gênio!!Eu não conhecia esse hino dos sans-cullotes, mas ouvindo as duas músicas, assim juntas, vejo que diante de tamanha inteligência não existia meio da censura frear uma mente tão brilhante!
Que ele gosta de fazer jogos de palavras com músicas em francês eu já sabia, haja vista "Joana Francesa", o que eu não imaginava é que ele fizesse isso há tanto tempo e com tamanha mestria!
Assim como vc, eu cresci ouvindo OS SALTIMBANCOS e nunca imaginei algo dessa natureza vindo daquelas músicas aparentemente inocentes...agradeço a vc por abrir meus olhos, pois percebo agora, com tamanha felicidade, que um gênio é sempre um gênio, mesmo quando ele é, supostamente, despretensioso.
beijos

Anônimo disse...

Desconfio que esteja sendo doutrinada pelo cabeção.

Amanda Lourenço disse...

Oi Carol, obrigada pelo elogio lá no blog! O seu blog é o único que acompanho, então fico feliz que tenha gostado do meu tbm!
Beijos!

Felipe disse...

Eu também fui bem educado com Chico Buarque - minha mãe é fanática e apaixonada. Também tinha o Saltimbancos e adoro todas as músicas dele na fase pré-ditadura. Como não sou tiete não sou cego pra avaliar que ele nao consegue fazer musicas empolgantes ha tempos. Mas, de fato, para que mais? Ele tem um acervo tao bom e tao grande que nao precisa provar nada a ninguém. É um gênio.

(mas amanhã à noite eu vou é no show do Iron Maiden)

Beijocas

Carol Nogueira disse...

Renato, será que você AINDA não percebeu que é muito mais o contrário?

G disse...

Oi Carol,

o Ri (meu maridinho) tá cansado de saber, então não vai ficar chateado com meu comentário sobre o Chico: esse homem é tudo!

hehehe

bjo

Denise e Zé Guilherme disse...

A minha sensação com o Chico é sempre essa, de constante surpresa e encantamento tipo, "como é que pode????". Em 2006 meu grupo teve a alegria de ter uma audição com ele, o Luiz Cláudio Ramos e a equipe dele. Apresentamos um "pocket" de um espetáculos que montamos sobre uma obra dele, o Circo Místico. Foi místico! Mas a partir desse dia mudei minha opinião sobre ele ser o homem mais lindo do mundo (depois do meu marido - ele sabe disso), o Chico tá tããããooo velhinho...
beijos
Denise

Unknown disse...

Eu estou montando a discografia do Chico aqui e pegando disco por disco. Do primeiro ao último.

Pretendo ouvi-los com devoção. Sou historiador e acho que tal exercício será INCRIVEL!!!!
Perceber a crescente politização e percepção do Chico sobre o tempo no qual vivia...

Respondendo à sua pergunta, como é que pode?

Fórmulazinha do sucesso:

Filho de historiador.
Sobrinho de linguista.
Filho de musicista (se não me engano).

Mas o fato mais importante: nada disso era estanque! Eram personagens untadas a muita boemia!
E que boemia!!!
Vinícius, Tom.

Chico... muleque de sorte e sensibilidade que soube aproveitar da melhor maneira o ambiente no qual nasceu.