sexta-feira, fevereiro 18, 2011

O belo balé do acaso

Meus dois rapazes sentados na poltrona à minha frente no vagão da linha nove. Passamos por Alma Marceau mais ou menos (mais para menos) na hora que meu homem sai do trabalho. Olho pela janela despretensiosamente. O vejo.

Me levanto, viro para a porta que acaba de se abrir – e digo à meia-voz, meio tímida, meio impulsiva: Beto! Ele ouve, não entende (não sabia que íamos sair), passa pela mesma janela de onde o vi, vê as crianças. Sorri, entra no vagão, nos beija.

Cinco segundos no máximo.

Penso que na saída do cinema quase peguei a linha quatro, depois a dez. Depois hesitei e quis pegar a um, depois a nove – o que certamente me atrasaria.

Penso nas pequenas paradas que fizemos no trajeto, na hora exata em que decidimos parar de desenhar, no xixi que fizemos antes de sair do cinema, nos minutos que poderíamos ter perdido (ou ganhado) e não perdemos (nem ganhamos).

Ele me conta que tinha saído mais cedo. Voltou para buscar o vinho que havia esquecido no trabalho. Parou dois minutos para conversar com uma amiga.

Se o bilhete de metrô não tivesse desmagnetizado em Châtelet. Se eu estivesse em um vagão mais à frente. Se ele decidisse esperar o trem um vagão mais atrás.

O acaso dança um balé delicado cheio de chances de erro. E no entanto, às vezes, a sincronia acontece.

17 comentários:

r.o.moraez@gmail.com disse...

é mesmo idiotice não acreditar no balé do acaso... beijo!

M. disse...

Engraçado ler teu texto no mesmo dia em que peguei Rayuela pra mostrar um parágrafo (o primero) para a Dani; e que fala exatamente sobre isso. Segue:

"¿Encontraría a la Maga? Tantas veces me había bastado asomarme, viniendo por la rue de Seine, al arco que da al Quai de Conti, y apenas la luz de ceniza y olivo que flota sobre el río me dejaba distinguir las formas, ya su silueta delgada se inscribía en el Pont des Arts, a veces andando de un lado a otro, a veces detenida en el pretil de hierro, inclinada sobre el agua. Y era tan natural cruzar la calle, subir los peldaños del puente, entrar en su delgada cintura y acercarme a la Maga que sonreía sin sorpresa, convencida como yo de que un encuentro casual era lo menos casual en nuestras vidas, y que la gente que se da citas precisas es la misma que necesita papel rayado para escribirse o que aprieta desde abajo el tubo de dentífrico."

M. disse...

Esqueci de dizer que o texto está foda. E outra coisa: já pensou em fazer uma conta no Flickr para as tuas ilustrações? A deste post é incrível.
Bj

daniel valentim disse...

pensei exatamente no mesmo livro! O Jogo da Amarelinha é imperdível. Mais um trecho:
"Pode ser que haja outro mundo dentro deste, mas não o encontraremos recortando sua silhueta no tumulto fabuloso dos dias e das vidas (...). Este mundo existe neste, mas da mesma forma como a água existe no oxigênio e no hidrogênio ou, ainda, como podemos encontrar nas páginas 78, 457, 3, 271, 688, 75 e 456 do Dicionário da Academia Espanhola tudo o que é necessário para escrever um certo undecassílabo de Garcilaso. Digamos que o mundo é uma figura e que é preciso entendê-la. Por entendê-la, queremos dizer gerá-la."

E parabéns pelo texto.

déborah nogueira disse...

engraçadas as coincidências que trazem a gente aqui exatamente agora e não daqui a um segundo, né?
são elas que fazem com que a gente esteja vivo e com dedos e conversando na internet agorinha mesmo.
loucura!

Rita disse...

Gente, que coisa doida.

Carol Nogueira disse...

Gente! Que coisa doida! Eu estou lendo rayuela (marella, em frances) neste momento! Tinha pensado na relacao com o livro, mas achava que era obsessao normal de quem esta apaixonada pelo livro. Mas simplesmente voces enxergaram a minha leitura no meu texto sem eu menciona-lo. Voces sao o maximo. Beijos a todos

Anônimo disse...

Quando essas coisas acontecem, eu faço o exercicio inverso também: quantas coincidências e encontros inesperados (e agradáveis) não deixaram de acontecer por um segundo? Um sinal amarelo que a gente parou em vez de seguir? Um elevador cheio que a gente não entrou? Uma mijadinha que a gente fez questão de dar naquela hora?

O consolo (e o intrigante) é justamente que a gente nunca vai saber o que deixou de acontecer.

Tem um filme bobo, mas que é um pouco parecido com isso, que é o Serendipity (com o John Cusac e uma mulher linda que eu esqueci o nome).

Beijocas!!!

Felipe disse...

Droga, de novo. Aí em cima sou eu!!!

malu disse...

Uau!

Rodrigo disse...

Acho que são esses acasos que dão sentido à vida.

Tatiana Portela disse...

Adorei esse post, assim como tenho adorado todos desde que comecei a te seguir. Sou colega de Alberto, jornalista no Recife. E pelo blog dele, cheguei ao teu e tenho lido sempre que posso. Parabéns, você é muito boa no que faz.
Beijos,
Tatiana Portela

Camilinha disse...

Lindo texto, congrats!

daniel valentim disse...

(se é que ainda não leu), emende o jogo da amarelinha com o perseguidor (conto do livro as armas secretas). e aí você vai estar bem ao lado de as babas do diabo e tampouco vai querer parar por aí.
acho que tem uma edição francesa de volume único com todos os contos do cortázar. o preço vale a pena. não sei o preço mas vai valer a pena.

Anônimo disse...

Pqp vc é demais!
Clara Azevedo

Amanda disse...

Menina, pensei muito sobre esse assunto nos ultimos dias e agora vejo que vc escreveu sobre ele! Bem, quais as chances de uma brasileira e um francês se encontrarem numa cidade de 10 mil habitantes no interior da Australia? Num albergue pouco conhecido, trabalhando nas colheitas? Coincindir no espaço e no tempo? Foram tantos "e se" que eu fico apenas muito grata pelo universo ter conspirado a nosso favor.

Leandro Fortes disse...

Quando meu pai fez 60 anos, há 15 anos,dei de presente para ele um texto sobre um encontro meu e dele, em 1975, em um ônibus em Copacabana, em direção a Leblon. Eu com 9 anos, sozinho, voltando da escola. Ele, com 40, solitário, ainda tentando ser alguém na vida. É um texto belo, de um filho amoroso para um pai amado, mas ele chorou tanto que quase me arrependi. Hoje, por causa do seu texto, lembrei do meu. E fiquei com os olhos marejados. Obrigado.