Nós, que professamos a beleza da vida, o império do ser, a importância da essência. Que sonhamos de uma casa no campo, onde eu possa levar meus amigos, meus discos e livros e nada mais. Que queremos trabalhar menos, nem precisamos de tanto assim para viver, desde que possamos viver melhor, ter tempo para a família, nossos amigos queridos, o que importa. Nós, que nos acostumamos a fazer esse discursinho todo em torno de uma cerveja, ouvindo música boa.
Perec nos coloca diante de dois personagens mais ou menos como a gente – talvez um pouco mais fúteis, mais ávidos, mas devemos a eles um desconto porque afinal têm dez anos a menos. Eles fazem o nosso mesmo discursinho, e vira e mexe sonham com coisas. Não vou citar os divãs, as cadeiras que eram fetiches quando o livro foi escrito: para falar na nossa língua, vou listar a bolsa alternativa da feira, uma blusa de um estampadinho super charmoso, a discografia completa do Chico dentro de uma caixa em que a foto preto e branco brilha no papel couché, a edição comemorativa de Vidas Secas, que custa cem contos. Essas coisas todas, sabe? Que a gente nem percebe, mas quer. E às vezes quer muito.
Não é engraçadinha nossa vida pequeno-burguesa. Não há nada de fofo, de bacana, de bonitinho – o Perec faz com que seja desconfortável nos ver de perto. Não tenho solução para nossa contradição estrutural - mas pelo menos agora não estou sozinha nesse mal-estar.
13 comentários:
Eita, esse livro entrou no topo da minha lista, próxima leitura com certeza!
bjos
é, a gente acha engraçado até se dar conta. "opa, é de mim que tão falando"
ô, rapaz, cheguei aqui pelo blog da amanda. gostei muito. tanta sobriedade que faz a gente corar! parabens!
de um post mais antigo: "3. Pesquisar devagar antes é o segredo para escrever menos devagar depois". otimo conselho pra quem estah enrolada com uma monografia que jah dura um ano.
um abraço a você!
Não vou lê-lo. Cara mal resolvido.
Ter não é moralmente incorreto. Desejar também não é. Não há nada de intrinsicamente errado com o consumo. O problema só existe se, além do consumo, não houver mais nada. Há problema se não houver essência. Se também há "ser", então, esqueça essa culpa por ter ou por querer ter.
O desejo é natural (depende qual!)
... e o seu (daquele natural) melhor potencial está dentro do direito natural (que também não é qualquer um !) ... assim, até por um certo egoísmo, poderia se dizer, o direito natural urge ...
dificuldade ?! é o ignorante que pode achar difícil trocar o engano pela adequação ! Tudo vem da natureza e todos os seres vivos são "herdeiros" da natureza e logo, genuinamente, deveriam ter acesso a tudo o que vem da natureza ... uns retendo enquanto outros vão padecendo ... uns buscando algo em detrimento de outros e do próprio bem ... não ! Hipocrisia não convém a quem se preze (e todos podem & devem !) ! A perfeição é possível e é em sua busca apenas que algumas experiências (e não em si próprias) podem justificar-se apropriadamente. É um grande desperdício acovardar-se e abraçar a mesmice perante um tempo (com todas as suas dimensões) em que tanto pode ser feito ! Escolha-se bem onde depositar o valioso A M É M ! Força & Amor ! HAB - OEBA! : )
Discos e livros não devem gerar desconforto em serem adquiridos.
Aqui em casa temos um lema. Nunca economizarmos em livros.
Como vc não ter discografia completa do Chico dentro de uma caixa em que a foto preto e branco brilha no papel couché e a edição comemorativa de Vidas Secas? O que os netos irão herdar dos avós? rsrsrs Bjs
É tanta intelectualização que existe hj, e pouco sentir, experimentar...É muita informação e pouca espiritualização..
Também sobre o consumo, esse vídeo mostra um ponto de vista que é (no mínimo)interessante: Story of Stuff - http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k&feature=related
Prezada Carol
Acesso muitos blogs, de diversas cepas ideológicas, opinativas, etc. A partir desse seu post, quero lhe informar que vc. terá a honra de possuir um link permanente na minha barra de tarefas. Pode não ser muita coisa sob o ponto de vista dos valores universais, e mesmo para vc., mas para mim o fato é de grande relevância e ocupa, por assim dizer, um lugar de honra em minha galeria particular e referencial dos valores da minha vida. De longe e de quando em vez entrava em seu blog para vislumbrar as coisas de Paris, uma cidade que mora no meu coração. Mas agora tornar-me-ei um habitué por razões ainda mais interessantes: sua maneira delicada, sóbria, porém precisa, de expor a diuturnidade dos fatos parienses é extremamente cativante. Voilá. C'est tout. Bonne chance!
"Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo. Pode-se brincar com a hipocrisia alheia como quem brinca com a roleta russa com a certeza de que a arma está descarregada."
Millôr Fernandes
o dilema pequeno burguês me soterra todos os dias. inexorável. não consigo escapar.
É, Carol...vc não está sozinha meeesmo!
Beijo
Mari
Postar um comentário