domingo, outubro 25, 2009

Paralelepípedos da velha cidade

Antes eu só conhecia um tipo de rua em Paris: a calçada. Agora conheço três: a calçada, o asfalto e o paralelepípedo, que aqui se chama pavé.

Desenvolvi uma relação afetuosa com os paralelepípedos de Paris desde que prestei atenção neles. Um pouco porque eles transportam a memória às carruagens e calhambeques em preto e branco - mas menos por isso que pelo resto.

Foi nas comemorações dos quarenta anos, no ano passado, que fiquei sabendo da participação ativa que tiveram os pavés parisienses em maio de 1968, a revolução de mentalidades que mostrou a força de categorias sociais difusas - estudantes, trabalhadores - em torno de causas mais difusas ainda - igualdade de direitos entre homens e mulheres nos dormitórios estudantis, reforma universitária, oposição ao governo gaulista, reajuste salarial.

Maio de 1968 lembrou o mundo que o povo pode, e os pavés de Paris foram a arma dessa revolução feita de frases pichadas nos muros. Para dizer uma: é proibido proibir. Para dizer outra: para o mundo que eu quero descer.

Escrever na parede é fácil - acontece que na hora que o bicho pegava os caras não tinham muito com o que se defender. Aí é que entravam em cena os pavés da rue St Jacques, Soufflot, Gay-Lussac, voando em ilegítima defesa rumo às testas policiais.

É gostoso dirigir no macio, mas acho um crime asfaltar os pavés parisienses. Bonitinho é que eles resistem firmes e fortes - e vira e mexe emergem debaixo das camadas sucessivas de betume, meio se insinuando para a próxima revolução.

Ps: O nome do doce, aquele da piada de tia nas tardes de domingo, vem daí mesmo.

6 comentários:

Amanda Lourenço disse...

Mas o principal motivo deles terem sido encondidos embaixo do asfalto foi esse mesmo: o medo de quando eles viram armas!

Bel Butcher disse...

Tenho uma camiseta com a MAfalda dizendo: peren el mundo que me quiero bajar!

Uso nos dias críticos. Agora vou usar também nos dias políticos.

disse...

sous le pavé la plage.


renata suzane

Leandro Wirz disse...

Nasci em 68.
E juro que não vou fazer a piadinha sem graça de dizer que o seu texto é gostoso de ler como um pavê é de comer... Ninguém merece a piada das tias nas tardes de domingo!

Denise e Zé Guilherme disse...

é pa vê ou é pá cumê? - em bom mineirês.

Anônimo disse...

Pavê e pá cumê. Uma mistura de admiração e desejo... E ele sempre estará lá: nas tardes de domingo! Ao contrário dos paralelepípados que quase já não se dá mais pravê.

Belo texto!

Tereza.