Pré-saudade

Sou militante engajada na luta contra o sofrimento por antecipação. Era daquelas de ficar sem dormir por ter marcado dentista e ter dor de barriga antes de prova. Convencida de que isso só amplia o tempo desperdiçado sofrendo, tento me poupar para sofrer só depois do motivo. Me acho espertíssima quando consigo.

Quando coloquei dois meninos de quatro meses debaixo do braço e vim morar em Paris, embora obviamente assustada, eu proibi as pessoas ao meu redor de especular sobre como seria a vida com um oceano no meio - proibi até frases bonitas, declarações de amor e amizade. Auto-proteção, escapismo, chame como quiser - mas funcionou. Vim bem leve.

Fácil seria se isso bastasse. Como a gente (felizmente) às vezes vai e nossos amados (mais felizmente ainda) às vezes vêm, a luta contra a saudade tem que ser retravada a cada nova separação.

A expectativa é o tempero do reencontro na mesma medida em que a pré-saudade prepara a nova despedida. Um gráfico explicaria fantasticamente o que estou dizendo, mas claro que não sei fazer isso.

Minha irmã e minhas sobrinhas ainda nem foram mas, quando saio de perto delas pra trabalhar ou fazer compras, um bichinho cruel começa a comer meu coração por dentro, raspando sua colherzinha fria na parede interna do meu peito. Devagarzinho, o malvado, saboreando a dor da iminência misturada ao quentinho da ainda-presença.

Resisto bravamente como posso. E ficam proibidas as frases bonitas.