quarta-feira, dezembro 09, 2009

Callada

Ia começar toda empolgada dizendo a Lygia que me perdoe, contando do meu mais novo livro da vida, uma traição imperdoável, uma paixão arrebatadora, mas pesquisando a foto pra ilustrar meus arroubos esbarrei numa crítica tão sincera de um leitor esforçado que me deixei levar. Não pela crítica, claro - perdoai, senhor - mas pela inutilidade de ficar falando falando de um livro muito bom quando o critério é tão pessoal.

Então não vou falar do livro, vou falar da orelha.

Uma declaração de amor da mulher dele. Explicando com amor e cuidado o método de trabalho do cara. De como ele colecionava artigos de jornal que serviam de argamassa pros romances, depois escrevia, escrevia, escrevia em cadernos espiralados, depois batia tudo à máquina, numa rotina solitária que, ela conta, só podiam ser interrompidas por motivo que valesse a pena, como anunciar ao outro que um beija-flor chegava à janela ou que a lua cheia já estava visível.

Vou falar da carta manuscrita enviada por ele ao editor e publicada na primeira página do livro, e que explica, a meu ver, a edição tão porca, tão cheia de erros, que a Nova Fronteira tem o descaramento de publicar.

O autor comenta pequenas correções que gostaria de ver publicadas nas novas edições do livro e finaliza: "Veja, por favor, que elas (as correções) sejam feitas na próxima impressão do livro. Não haverá outras. Eu, pela parte que me toca, não pretendo reler o livro inteiro nem que a justiça me condene a fazê-lo". Era uma mentira desvairada - ou uma verdade involuntária, visto que ele morreu um ano depois da carta. Mas o editor pelo jeito acreditou.

Termino falando rápido da última frase do livro, ou a frase depois da última frase. Depois do ponto final, a inscrição "Rio - Petrópolis - Fazenda de Santa Luísa, março de 1965 - setembro de 1966", me fez viver com ele os dias de gestação dessa obra-prima, respirar seus toques na máquina de escrever, uns duzentos dias antes de eu chegar ao mundo.

Terminaria melhor sem a propaganda, mas não resisto não: eu nunca vi o Brasil tão de perto. O Brasil e o brasil, os Brasileiros e os brasileiros. Quarup, Antonio Callado.

6 comentários:

Clarice Guimarães disse...

Como que a gente não faz propaganda quando gosta muito não é mesmo? Não vejo como propaganda e sim como dica, valeu por ela também! Você escreve muito bem Carol! Você podia liberar aquele treco do blogger que deixa a gente virar seguidor sabe? Queria virar seguidora tua...

machay disse...

Clarice é só add aos favoritos.
Petrópolis ainda inspira os grandes escritores. Viu Carol!
Beijos chuvosos da serra.
Kia

Juliana Nogueira disse...

Ué, vc envelheceu 10 anos sua doidinha!!!
Vc nasceu em 76!

Aline Alonso disse...

Juliana, tinha ficado muito surpresa com essa idade (errada) da Carol. Que bom que vc esclareceu. Se ela fosse mais velha do que eu, com essa cara de menininha, ia me sentir muuuuuito acabada! kkkkk

Carol Nogueira disse...

Ai.
Meus problemas matemáticos estão ficando mais sérios com o tempo.
:)

Luiz Valls disse...

Entre a edição do Quarup, e o seu nascimento, Carol, em setembro de 1971, eu estava preso no DOPS de Porto Alegre. Uma visita familiar trouxe Quarup para que eu lesse.
Fiquei lendo no beliche de meio dia até o amanhecer do dia seguinte.
Foram horas de liberdade, mesmo preso.
Grande Callado!