Era o Parque Del Retiro, em Madri, era um lindo dia de sol e era minha primeira viagem sozinha, trinta dias pela Espanha e em Paris.
Sozinhíssima, eu e Deus.
Eu estava feliz da vida porque, depois de vinte dias de viagem, eu havia descoberto um mundo feito de pessoas legais que falavam várias línguas, ao contrário do que eu tinha aprendido em casa. Tinha feito amizade com dezenas de pessoas que eu nunca tinha visto antes, que beberam comigo, me contaram suas vidas, me acolheram em suas casas – e que são minhas amigas até hoje, mas eu não quero interromper o fluxo narrativo.
Eu também estava feliz da vida porque fazia sol e eu tinha encontrado uma coca light gelada – e é tão raro encontrar bebidas geladas na Europa.
Eu estava tão feliz da vida que eu estava rindo sozinha. Assim, rindo, do nada. E um velhinho me sorriu de volta. E eu ri de ter sido flagrada rindo sozinha. E ele puxou papo e a gente começou a conversar.
Sobre a minha viagem, sobre o trabalho dele, que era médico reumatologista no sul da Espanha, que tinha ido a Madri para um congresso, e blablabla, e ele me mostrou o Palácio de Cristal, que lindo que era.
E quando eu vi eu estava num lugar ermo conversando com um velhinho. Que queria porque queria me mostrar uma massagem muito interessante para diagnóstico de alguns problemas reumatológicos.
E foi só aí, nessa hora, com o velhinho meio ofegante querendo massagear minhas costas, que eu vi que o mundo não era, não, feito só de pessoas legais que falavam várias línguas.
Eu saí correndo e liguei pro meu namorado. Culpada. Eu estava me sentindo culpada pelo assédio de que eu tinha sido vítima. A ponto de nunca contar isso pra mais ninguém.
Ser mulher é ficar presa num quarto de hotel, tendo uma cidade inteira gritando “explore-me” lá fora, simplesmente porque é noite e nunca se sabe. E se sentir culpada quando um velhinho verde te assedia.
Há milênios, o blog da Lola perguntou como nasceu meu feminismo. Eu nunca nem soube que eu era feminista. Mas agora que esse sentimento correu de novo nas minhas veias (pelo ignóbil motivo de que uma amiga querida acabou de viver exatamente o mesmo episódio), eu lembrei. Foi assim.
6 comentários:
Queria Carol, quando , ainda solteira, fui morar em Paris com uma bolsa de estudos, meu pai me alertou: ande sempre com gente de sua idade;cuidado com os velhos. Fique atenta, no metro, nas viagens, cuidado com os velhos. Fiquei chocada: como assim???? os velhinhos não eram todos pessoas benfazejas e protetoras? Não, não são. Triste, não é?
É estranho. Em casa nos dizem que o mundo não é cor de rosa... Mas no fundo a gente só acredita vendo. Eis a boa e velha experiência de vida... Só chega com o tempo...
Acredito que o mundo é de todas as cores, com todos os degradês possíveis. E por que conhecer só a parte cor de rosa?
Também tenho mania de viajar por aí sozinha de vez em quando. E também já passei muitas vezes por situações como essa, em que alguém se aproxima com um sorriso no rosto, uma conversa legal e depois revela intenções que não desejamos.
Algumas dessas experiências estão narradas no meu blog:
http://viagensdagabi.blogspot.com/2010/11/primeiro-encontro.html
http://viagensdagabi.blogspot.com/2010/10/san-matias-parte-ii_22.html
Mesmo assim, vale a pena! Mulher ou homem, ninguém tem que ficar em casa com medo do mundo, com medo das matizes que podemos ver por aí. Sair de casa é conhecer a diversidade, é encontrar novas realidades, que nos tornam mais completos.
Abraços!
Pois é Carol, eu entendi que somos uma "minoria" no sentido de grupos sociais quando li que "apenas por sermos mulheres podemos sofrer violência". Que não importa nossa cor, credo,idade, classe social, se somos gordas ou magras,lindas ou feias, podemos ser agredidas porque somos mulheres. E o bom exemplo é como toda mulher que anda sozinha de noite, se depara-se com um grupo de homens, sentira' medo. Acho que foi assim que me tornei feminista. Porque agredida ja' tinha sido antes, mas perceber que era uma questão de gênero, veio depois....
Viajar sozinho é uma experiência única, ímpar, estimula a reflexão, te faz romper a timidez, gnahar o mundo, te faz desmitificar várias coisas que parecem ser ruins - e não são - e que parecem ser boas - -e não são exatamente.
No seu caso, infelizemtne, a vida da mulher (ainda mais uma mulher linda e simpática como você) ainda é exposta a esse tipo de coisa. Falo isso pra minha namorada: você fala com todo mundo, sorri pra todo mundo, puxa papo com todo mundo. Mas vira e mexe alguém confunde as coisas. E vira e mexe, ela sabe, acontece isso mesmo. Não tem como negar. Mas com o tempo e jogo de cintura, você tira isso de letra.
No fim das contas, é tudo experiência.
Te adoro!! Beijos!
Fê, com isso você quer dizer que mocinhas feias, gordas ou simplesmente que não sorriem pras pessoas estão a salvo desse "problema"? Seria tão fácil se fosse assim!
Gabi, totalmente de acordo! Eu não desisti, não, estou muito muito longe de achar que o mundo é mau. Muito pelo contrário. Faço questão de exercitar a minha liberdade de mulher pós-feminismo. A gente tem que viver tudo - e continuar botando a boca no trombone para que um dia o nosso tudo feminino seja tudo mesmo. Mas pra isso é preciso enxergar o machismo, coisa que uma parcela absurda das pessoas (inclusive mulheres) prefere não fazer. Beijos a todos!
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