quinta-feira, junho 23, 2011

Ninguém mata a arte


O organismo de combate à pirataria na França, batizado de Hadopi, lançou este mês uma campanha de sensibilização pública que mostra o quão ultrapassadas são as medidas adotadas pelo país para tentar conter o aparentemente incontrolável fluxo de downloads ilegais.

Em cartazes espalhados pelas estações de metrô e em publicidades na televisão, a campanha é pautada em fotos de pré-adolescentes dos seus nove ou dez anos acompanhados de textos que dizem, por exemplo, que, sem o Hadopi (a autoridade para a proteção de direitos na internet), não haverá Emma Leprince, autora de "eu prefiro seu clone", sucesso em 2021.

A campanha, que custou três milhões de euros para o governo francês, não podia ser mais infame.

Primeiro porque, indo contra toda a convicção da produção cultural atual, que aposta na internet livre para difusão de seu conteúdo e acredita que novas formas de remuneração estão se criando de maneira independente, bem longe das grandes produtoras e gravadoras, a campanha sentencia que, sem controle e repressão, simplesmente não haverá mais música no futuro - nem filmes, nem livros, nem nada.

Segundo porque, sinceramente... a campanha faz muito pouco caso das novas gerações. "Eu prefiro seu clone", "Segredo do rock", "A solidão de Sara", "Eu splouche e você primf" são alguns dos títulos sugeridos pela publicidade como os hits do futuro que nunca serão criados se o monstro da pirataria não for contido.

Sem querer ser chata, mas é até um favor que nos fazem evitar o surgimento desses títulos. Eu quero acreditar que o futuro nos reserva algo de melhor em termos de cultura.

Não bastasse tudo isso, a Hadopi ainda criou uma logo nova para a campanha. A sigla Pur, para "promoção de usos responsáveis", vai designar um "selo" a ser adotado por quem não se vale da pirataria.  Vale dizer que "pur" em francês quer dizer "puro".

Sinceramente, num país que vive às voltas com suas questões identitárias ancoradas na miscigenação, onde isso está tão à flor da pele que a própria campanha anti-pirataria é estrelada, não por acaso, por um negro, três latinos, uma menininha com cara de romena, um loiro extremo e uma ruivinha, será que é uma boa ideia batizar uma campanha com o nome de "puro"?  Como... raça pura?

Como não podia deixar de ser, a campanha está sendo achincalhada na internet. Paródias para as frases-tema não param de surgir - umas mais, outras menos engraçadas. A minha preferida: "sem Hadopi, Mike Ergren, o futuro presidente da Universal, não poderá encher o bolso de dinheiro".

Essa é a coluna do Noblat de hoje.


3 comentários:

Mari disse...

Quando vimos a campanha na tv aqui em casa, vimos a mesma coisa que vc. E fizemos em coro: pffff....

Leandro Wirz disse...

Propaganda de uso risível.

Felipe disse...

É patético lutar contra isso. É um caminho sem volta. Podem até não endossar, mas a realidade de mercado e social já mudou isso. É como o voto, que virou universal. Como o telefone fixo, que custava R$ 1 mil há 20 anos e hoje é de graça.

E esse papinho de prejuízo pros artistas é a maior balela possível. Eles simplesmente compensam de outro jeito: com mais shows e no preço dos shows. O Rock In Rio 3, há 10 anos, custou R$ 35 por dia. Hoje sai baratíssimo por R$ 180.

Mas já paguei R$ 300 pra ver U2, R$ 350 pra ver metallica e AC/DC, sem falar quando vc quer ir na tal área VIP.

O CD, se não acabou, vai virar objeto de compra de nichos específicos de mercado, como gente mais velha e gente com dinheiro e tecnofobia. Mercadologicamente, não tem sentido algum pagar R$ 30 num disco que voce vai, no maximo, transformar em MP3 e jogar no ipod. Igualzinho o cara que fez a mesma coisa baixando pelo Torrent.

Outra coisa boa disso é: os artistas tão dando shows cada vez mais perto de você. Aqui na América do Sul mesmo as bandas tão vindo muito mais, até mesmo pra Brasilia.

Volta logo pra gente ver show de rock juntos!!!