segunda-feira, maio 11, 2009

A poesia da foto ausente

- E você trouxe a máquina?
- Achei que você ia trazer!
- A minha está quebrada!, e a da B.?
- Como assim?, eu achei que vocês tinham!

Foi assim que peguei a estrada ao Mont Saint Michel sem nem sombra de uma máquina fotográfica por perto. Depois de dez minutos da mais completa decepção, comecei a pensar em como isso poderia ser poético. Passei a escolher cuidadosamente as cores que usaria para definir as muralhas do século doze que circundam a abadia, formando com a areia encharcada um quadro que iria do ocre ao marrom escuro, com uns toques de rosa translúcido para as águas-vivas mortas na praia. Da casa de campo onde ficamos, planejava contar de como um banquinho de ferro compunha um cenário bucólico debaixo da árvore chorona de um verde pálido, separados da sala de estar por uma parede de vidro – e como, apesar disso ser bonito e de ter uma lua prateada e distante lá no céu, fazia um frio danado de noite. Ia falar da praia linda de Saint Malô, uma mistura de Cartagena com Búzios, do mar faminto que devora a areia e os sapatos das crianças, e descrever as ruelinhas de Dinan salpicadas de lojinhas e padarias e cafés e ladeiras.

Mas aí, na primeira loja de suvenir que apareceu no caminho, alguém pegou e comprou uma câmera dessas descartáveis. E toda a minha poesia barata virou um bocado de fotos que eu não vi ainda, mas que duvido muitíssimo que tenham ficado boas.

10 comentários:

Felipe disse...

Esse é um dos lugares mais espetaculares que eu já fui na minha vida. É uma história secular viva. O ambiente naquelas escadinhas, lá em cima, a visão que se tem de longe, com maré alta ou baixa, são indescritíveis.

Tem até um dos livros daquela trilogia que conta a história (???) do Rei Arthur, do Bernard Cromwell (ou coisa parecida), que tem uma boa parte relatada no Mont Saint Michel.

Agora, sem máquina eu iria pirar. Não luto contra esse fato não: não existe pra mim ir a um lugar diferente, turístico ou não, e não fazer pelo menos duas mil fotos, hahahaha...

beijocas e até breve!

Aline disse...

Que engraçado... fui a Saint Michel e Saint Malô e Dinard e Dinand há exatos dez anos... e me sinto ainda do mesmo jeito, como vc descreveu, em uma eterna poesia...
Acho que sou uma pollyanna incurável!
Bjos!

Chéri disse...

Como assim duvida que tenham ficado boas? E o fotógrafo aqui?
Beijocas no nariz.

RC disse...

Sinceramente? Ando meio sem saco para fotos. Admiro as pessoas que guardam as viagens onde realmente importa, na memória.

Renato disse...

Tenho belas fotos e lembranças desse lugar. Quer ver? Acesse http://ultimaparada.wordpress.com/category/franca/

Helena disse...

É engraçado que tenho pensado nesta super "fotografização" do mundo. Eu, que também sou fotógrafa, fico muito triste quando esqueço de levar a máquina em algum passeio (ocorreu ano passado quando fui para La Baule e ocorreu há quatro anos quando fui para Belle-île), mas, ao mesmo tempo, acho que nesse "clicar obsessivo" deixamos de fazer como o comentário mais acima: registrar na memória. A gente fica com o registro das fotos e vai guardar na cabeça o que a foto passa e não o que realmente estava se vivendo naquele momento. Às vezes, dou uma pausa na fotografia e aproveito para apenas observar, sem pensar em registrar. E faz um bem, até para a própria fotografia, pois nos deixa mais sensíveis. E acho que tu não terias imaginado toda essa poesia se tivesse com a máquina na mão :)
Excelente blog, vou voltar mais vezes.

machay disse...

Continue fotografando poeticamente.

Leandro Wirz disse...

E continue fazendo poemas fotográficos.

Às vezes, vale o inverso do clichê e é uma palavra que vale mais que mil imagens.

Tout le form, te entendo, eu fico mega frustrado qdo perco a oportunidade rara de uma foto, pq deixei a câmera em casa.

Natália Goulart disse...

É a primeira vez que comento no seu blog. Mas sempre que tenho tempo dou uma espiada!
Ah, estou matando uma aula de Teoria da Comunicação II - sabe de uma coisa... melhor ficar aqui lendo seus textos! e como!

Ana Chalub disse...

se eu tivesse um texto poético como o seu, talvez não sentisse falta da câmera fotográfica. mas faço parte do grupo dos que se decepcionam ou enlouquecem quando estão sem suas câmeras. acho que eu falo melhor por meio das fotos!