quinta-feira, agosto 04, 2011

Roubei pra mim



E quando eu menos esperava, no finzinho da tarde, abriu o sol. Quente, decidido. E eu vi que era hora de me inventar um pedacinho de verão.

A Dinha topou ficar com os meninos e eu corri para me encontrar. Canal Saint Martin. De bicicleta até o Hôtel de Ville - depois de metrô, para poder desenhar.

Munida de duas cervejas, Phoenix nos ouvidos, tomei todo o sol do mundo olhando as pessoas, desenhando, pensando na vida, me despedindo discretamente.

Devorei tudo ao redor, lendo em francês os sinais corporais das conversas, os assuntos, os sorrisos. O abraço de um casal, o nariz pequeno e o cabelo desgrenhado de uma menina sem sutiã, a eletricidade estranha que rolava entre o patrão do bar e a garçonete. Pela dança deles atrás do balcão - a mão dele procurava sempre em torno dela o copo ou o pano ou o troco - eu via que se ainda não rolou vai rolar.

É, nisso eu já estava no bar, que passava das nove e não pode mais beber no canal depois das nove. Um vendedor de flores chegou, sorriu pro patrão que tinha uma lágrima tatuada no rosto, ofereceu uma rosa e ganhou dele um chopp pequeno. Achei bonita essa cumplicidade noturna.

E eu posso fazer dez anos de análise que nunca vou descobrir porque, completamente bêbada e depois de ter chorado de saudades de hoje, eu roubei a rosa do patrão e saí correndo.

7 comentários:

Felipe disse...

Toda vez que voce fala desse lugar, eu lembro da nossa tarde no dia que o maicou morreu... Bjs

Andréa disse...

Sempre passo por aqui, mas à surdina.
Hoje não resisti: texto delicioso que trouxe muitas saudades dessa cidade.

Abraço.

José Fernando disse...

Nada de análise. Um gesto de rara lucidez emocional merece um texto como o que você fez. Um prêmio para quem lê.

Quero colocar o nome não! disse...

O pouco de tempo "da gente" em Paris, é inversamente proporcional ao tamanho da saudade que ficar.

Mas não conte comigo pra despedidas!

Vou te dar um abraço e dizer "até amanhã", ou "semana que vem". E torcer pros despedaços do partir tomarem novas formas ao longo do outro tempo que teremos.

humpf!

Leandro Wirz disse...

lindo texto, admiráveis sensibilidade e perspicácia na observação dos cúmplices noturnos.

Carol Nogueira disse...

Um beijo pra todos. Um especial pra anônima do meu coração. :o)

Anônimo disse...

as vezes eu fico com vontade de roubar o sentimento dos outros que eu não tenho em mim.
pegar emprestado, ja que esse fulano tem de muito!