quinta-feira, julho 23, 2009

Olhos nos olhos

Existem dois tipos de pessoa no mundo: as que pensam olhando para baixo e as que pensam olhando adiante mirando bem em cheio no vazio. Existem também as que pensam de olhos fechados, mas essas não contam porque se é preciso fechar os olhos para criar seu próprio universo o pensador não vai mesmo muito longe.

É muito prático pensar olhando para baixo porque, em tese, não há nada lá para distrair o pensamento em sua rota inexorável – no máximo um papel de bala, uma sujeira grudada há décadas, ignorada por gerações sucessivas de funcionários da limpeza. Nada assim que mereça um desvio de rota na trajetória nem sempre retilínea de uma mente confusa e cheia de lembranças.

Pensar olhando no vazio e fixando a vista bem adiante é o que é exige cojones. O quadro colorido no fundo da sala, o movimento dos transeuntes que transeuntam, o olhar do outro te fisgando, querendo crer que é ele o objeto dos seus pensamentos – que no entanto estão longe, léguas, milênios-luz de distância. Todas as coisas do mundo se insinuam ao seu fluxo louco e bobo de sinapses, pedindo por favor para entrar na história – mas o pensamento segue forte, firme, indelével.

Queria mesmo era dizer daquele momento fugaz, que dura um só segundo, em que o seu olhar fixo no fundo dos olhos do homem na cadeira defronte sai lá do interior da sua própria cabeça e pousa onde ele já se encontrava aparentemente: no fundo dos olhos do homem da cadeira defronte. Em um segundo, a mudança de foco: do infinito para os três metros que separam os olhos dos olhos – e só então a troca de olhares, que na prática já se produzia há cinco minutos, enfim acontece.

Para, óbvio, desacontecer em seguida.

10 comentários:

Denise e Zé Guilherme disse...

tão Cortázar esse post...
adoro demás!

Ana Chalub disse...

nossa, eu me vi no seu post. agora.

Leandro Wirz disse...

Primoroso!

Felipe disse...

Nada a ver desviar o olhar quando eles se encontram. Olhos de lince, patas de urso.

Amanda Lourenço disse...

Esse blog esta nume fase muito poética! Mas não aquela poesia que fala, fala e a gente não entende muita coisa, mas uma poesia em prosa bem clara que consegue passar exatamente o que vc esta pensando de forma bem simples! Adorei o texto! Pq não tem como não se identificar com ele!

InarA disse...

diria Leminski, que quem está por fora não segura um olhar que demora...muito legal o texto!

G disse...

:-D
parece cena de filme...

G disse...

:-D
parece cena de filme...

me disse...

pensar no vazio faz a gente tremer e isso é bom.

Alisson Mekaro disse...

Um belo post. Claro que o blog ganhou meus favoritos.